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DESVENDANDO A CODEPENDÊNCIA: COMPREENDENDO O QUE É E O QUE NÃO É SER CODEPENDENTE





codependência

Tenho observado que a palavra “codependência” tem sido usada para indicar muitas coisas, que ela não é. De repente qualquer comportamento, que implica algum grau de dependência emocional, passou a ser sinal de codependência. Sem desejar defender o uso ou desuso, mas o bom uso da palavra, vamos desvendar as complexidades da codependência, lançando luz sobre o que ela realmente é e dissipando conceitos equivocados, que podem levar à confusão e ainda maior disfuncionalidade aos outros.


Existem pessoas que empregam a palavra codependência sem saber do que se trata exatamente. Outro dia, me contaram que um Pastor se opôs a que uma de suas ovelhas liderasse determinada atividade da congregação porque ela era codependente. Nesse caso, o Pastor queria dizer que sua ovelha era controladora. No entanto, apesar do controle ser um dos sinais de codependência, o Pastor poderia ter sido mais assertivo e menos ofensivo se explicasse que era necessário ter alguém mais descentralizador para tal atividade. Quer sua ovelha seja ou não codependente, nesse caso houve não somente um mal uso mas um abuso da palavra. Por outro lado, ainda existem aqueles que nem sequer querem usar a palavra por vê-la como um jargão perigoso, cujo emprego conota fraqueza ou atribuição errônea de responsabilidade por problemas relacionais. Evitam usá-la por acharem que codependência é um termo pejorativo que quer dizer “emocionalmente menos capaz e regula desenfreadamente”. Tenta-se então, ao contrário do Pastor da história acima, não usar a palavra codependente a todo custo, omitindo-se de nomear o que já tem nome como se tal palavra fosse um xingamento.


Mas afinal, então o que é ser codependente?


Há muitas formas de conceituar a codependência, mas a ideia por detrás de todas é um “padrão disfuncional de se relacionar com os outros onde há um foco exacerbado no mundo externo à pessoa, dificuldade em expressar sentimentos e necessidades e uma identidade, que emana dos relacionamentos com outras pessoas apenas (Fischer et al, 1991), além de um sentimento de responsabilidade exacerbada pelo bem estar alheio que gera negligência de necessidades próprias. (Lancer, 2015).


São sinais de codependência:


1. Falta de Autonomia: Indivíduos codependentes podem ter dificuldade em tomar decisões de forma independente. Eles, frequentemente, buscam opiniões e aprovação de outras pessoas antes de agir.

2. Busca por Validade: Indivíduos lutando contra a codependência tendem a depender muito da validação externa para sua autoestima. Sua autoestima se torna dependente da aprovação e opiniões dos outros.

3. Dificuldade em Estabelecer Limites: Estabelecer e manter limites saudáveis pode ser um desafio para aqueles com tendências codependentes. Eles podem ter dificuldade em dizer “não” ou em afirmar suas próprias necessidades.

4. Cuidado Excessivo: Uma pessoa codependente frequentemente sente uma necessidade compulsiva de cuidar dos outros, mesmo que isso signifique negligenciar suas próprias necessidades. Eles podem sacrificar seu bem-estar, tempo e energia para garantir que a outra pessoa esteja confortável e feliz. Apesar disso, algumas pessoas, que são sempre ajudadas por um codependente, podem sentir que este não lhe dá espaço.

5. Medo de Rejeição: Um medo significativo de abandono ou rejeição frequentemente impulsiona a codependência. Esse medo pode levar as pessoas a se apegarem a relacionamentos, mesmo que sejam tóxicos ou prejudiciais.


Codependência não é o mesmo que:


1. Independência: Embora possa parecer contraditório, pessoas codependentes muitas vezes parecem excessivamente autossuficientes. No entanto, essa independência muitas vezes é uma fachada, mascarando uma profunda dependência emocional dos outros.

2. Interdependência Saudável: A interdependência saudável envolve apoio mútuo e respeito à individualidade de cada um. Em um relacionamento saudável, as pessoas compartilham não só um forte vínculo, mas também escolhem cuidar e se deixarem ser cuidadas mutualmente. Na codependência, não há equilíbrio, e a balança sempre pesa mais para as necessidades de uma pessoa apenas.

3. Altruísmo: Ser altruísta é admirável, mas a codependência leva o altruísmo a um extremo prejudicial. Uma pessoa codependente é capaz de negligenciar seu próprio bem-estar, levando à exaustão emocional. Ela não compreende que não deve se sacrificar a ponto de negligenciar a sua responsabilidade para consigo mesma.

4. Cuidar dos Outros: É importante observar que cuidar dos outros é uma parte natural dos relacionamentos. No entanto, a codependência vai além do cuidado — envolve uma compulsão para consertar, controlar ou acomodar excessivamente a necessidade, vontade e bem-estar de outra pessoa.

5. Dar Apoio: Ser um apoio em um relacionamento é saudável. Na codependência, porém, o apoio se torna unilateral. A pessoa codependente se ressente por não se sentir apoiada, porém não é capaz de falar sobre isso, pois não suporta a ideia de vir a ser rejeitada ou criticada por tal coisa.


Há ainda a necessidade de outra perspectiva de distinção que, para nós cristãos, traz muita confusão devido aos preceitos ensinados por Jesus. Precisamos, então, entender a diferença entre a codependência e o amor ao próximo, a bondade e a compaixão – valores irrefutáveis encontrados na Palavra de Deus.


Não confunda codependência com:


1. Amor ao próximo: Jesus nos mandou amar a nós mesmos e nos deu a medida com a qual devemos dosar esse amor próprio. Ele usa o advérbio de igualdade “COMO”, que quer dizer da mesma maneira e do mesmo tanto. “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: 'Ame o seu próximo como a si mesmo'.” Mateus 22:37-39

2. Bondade: Paulo nos exorta a ter uma atitude aberta às necessidades emocionais das outras pessoas, inclusive defendendo os mais fracos e não retribuindo o mal com o mal e buscar o que é bom para todos (inclusive nós mesmos). Em sua carta a Tiago, Paulo menciona a importância de atentar para sua própria vida, além de seu ministério para salvar tanto a ele, Tiago, como aos outros. “Exortamos vocês, irmãos, que advirtam os insubordinados, confortem os desanimados, defendei os fracos, sejam pacientes para com todos. Tenham cuidado para que ninguém retribua mal com o mal, mas sejam sempre bondosos uns para com os outros e para com todos.” 1 Tessalonicenses 5:14-15. Atente bem para a sua própria vida e para a doutrina, perseverando nesses deveres, pois, fazendo isso, você salvará tanto a si mesmo quanto aos que o ouvem. 1 Timóteo 4:16

3. Compaixão: A Bíblia insinua que muitas vezes nos acontecerão coisas que nos pesarão tanto que necessitaremos de ajuda. Não devemos comparar nossas dificuldades e, em humildade, posso e devo ajudar o outro a levar seu fardo... por um tempo ou por certa distância, mas não assumi-lo como sendo meu. Ademais, haverão cargas que devem ser carregadas direta e individualmente por nós mesmos. Elas são nossa responsabilidade. “Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo. Se alguém se considera alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo. Cada um examine os próprios atos, e então poderá orgulhar-se de si mesmo, sem se comparar com ninguém, pois cada um deverá levar a própria carga.” Gálatas 6:2-5


Não temos a intensão de fazer apologia ao amor próprio, elevando o amor e o cuidado a si mesmo à grandeza maior do que se deve. No entanto, é importante observar, que mesmo que pouco enfatizado (possivelmente para evitar que se caia no egocentrismo), que Deus não é contra o autocuidado. Ele espera que tenhamos amor, graça, misericórdia e compaixão com todos, mas isso não nos exime de sermos responsávies com a nossa própria vida e bem-estar também. Vemos então, que a codependência é um fenômeno sutil, que muitas vezes pode se disfarçar em virtude. No caminho de seu tratamento, econtramos a coragem para confrontar verdades difíceis, humildade para assumir motivações pouco altruístas e até a quebra de paradigmas religiosos. Distinguir entre a interdependência saudável e a codependência é crucial para a construção e manutenção de relacionamentos autênticos com os outros e consigo mesmo. Ainda assim, muito mais importante do que saber usar o termo “codependência afetiva” corretamente, é necessário acesso à informação fidedigna e disponibilidade para aprendizado sobre os mecanismos, que fazem parte dessa forma dolorosa de se relacionar. Ao compreendermos o que a codependência é – e o que ela não é – poderemos caminhar em direção à libertação de padrões prejudiciais, que impedem conexões humanas sadias e espiritualmente maduras.



Referências:



Beattie, M. (1987). Codependent no more. Harper & Row.


Fischer, J. L., Spann, L., & Crawford, D. (1991). Measuring codependency. Alcoholism Treatment Quarterly, 8(1), 86–100. https://doi.org/10.1300/J020V08N01_06


Lampis, J., Cataudella, S., Busonera, A. et al. (2017). The role of differentiation of self and dyadic adjustment in predicting codependency. Contemporary Family Therapy 39, 62–72


Lancer, D. (2015). Codependency for dummies. John Wiley & Sons.

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